INTER/DISCIPLINAR/IDADE deriva da palavra primitiva DISCIPLINAR (que diz respeito à disciplina), por prefixação (INTER- ação recíproca, comum) e sufixação (DADE - qualidade, estado ou resultado da ação. Disciplina refere-se à ordem conveniente a um funcionamento regular. Originariamente significa submissão ou subordinação a um regulamento superior. Significa também MATÉRIA (campo de conhecimento determinado que se destaca para fins de estudo) tratada didaticamente, com ênfase na aquisição de conhecimentos e no desenvolvimento de habilidades intelectuais. É uma palavra muito presente em instituições como o exército, a fábrica e a Igreja, que valorizam a disciplina na formação de seu pessoal. A interdisciplinariedade, para ser exercida coletivamente, requer o diálogo aberto através do qual cada um reconhece o que lhe falta e o que deve receber dos demais.(JAPIASSU, 1976, p. 89). A Segundo IVANI Fazenda (1998; 13): “Um olhar interdisciplinar atento recupera a magia das práticas, a essência de seus movimentos, Exercitar uma forma interdisciplinar de teorizar e praticar educação demanda, antes de qualquer coisa, o exercício de uma atitude ambígua.”Japiassú e Ivani Fazenda são considerados responsáveis pela veiculação da interdisciplinaridade no Brasil, os dois autores têm como base de suas teses a filosofia do sujeito. De acordo com eles, a interdisciplinaridade é apontada como saída para o problema da disciplinaridade, que deve portanto, ser superada, através da prática interdisciplinar. Demo (1998), sem pretender anular a disciplinaridade, e, ao mesmo tempo, admitindo as mudanças que se registram no campo da metodologia das ciências, mostra que a ciência, mesmo que seja articulada de maneiras diferentes, que utilize métodos qualitativos e mais flexíveis, na tentativa de adquirir o conhecimento do todo, não prescinde da formalização do objeto de pesquisa. Para ele, a ciência evoluiu a tal ponto, graças à especialização, que permitiu um amadurecimento calcado na “[...] superação do olhar superficial, entrando na direção analítica do real” (p. 84) . Para observância da interdisciplinaridade é preciso entender que as disciplinas escolares resultam de recortes e seleções arbitrários, historicamente constituídos, expressões de interesses e relações de poder que ressaltam, ocultam ou negam saberes. Na pré-história, com o surgimento da agricultura e o poder centrado na posse da terra. O advento da revolução industrial (idade moderna), marca a passagem para a segunda onda, com o poder centrado no capital. É neste contexto que surge a escola pública, não a serviço do homem, mas da fábrica, com o objetivo de preparar mão de obra para a indústria, de treinar, disciplinar, subjugar o homem, para torná-lo operário. Enquanto instituição social, a escola é sempre orientada pelo tipo de homem que deseja formar. Portanto, para o século XVIII, este era o modelo de escola necessária. Paralelamente à revolução industrial, o século XVIII é marcado também pelo surgimento do Positivismo, corrente filosófica iniciada com A. Comte, em oposição à Filosofia clássica, por ele considera da pré-histórica e negativa. Reagindo às tendências iluministas, o Positivismo prega a objetividade, a universalidade e a neutralidade como exigências do conhecimento científico. Para os positivistas, só é positivo o que é certo, real, verdadeiro, inquestionável, que não admite dúvidas, que se fundamenta na experiência, sendo, portanto, prático, útil, objetivo, direto, claro. Foi na escola que o impacto do Positivismo se fez sentir com maior força, em parte devido à influência da Psicologia e da Sociologia - ciências auxiliares da educação e nascidas sob a égide do Positivismo - gerando o pragmatismo e o empirismo nas práticas e instituições escolares e atendendo aos interesses da classe social dominante. Na gênese deste modelo de escola, destacam-se ainda as influências marcantes da Igreja - com seus dogmas e sacramentos, sobretudo a penitência, determinando práticas como a avaliação, as punições e proibições e a apresentação de verdades prontas e definitivas - e da ideologia política dominante. Fragmentando-se o conhecimento acumulado, através de um currículo multidisciplinar, fragmenta-se o próprio homem (o aluno e o professor), que fica então fragilizado e é facilmente dominado. Século XIX desenvolvimento industrial esteve diretamente associado à idéia de progresso. País industrial significava país desenvolvido. Assim, houve grande interesse em financiar e disseminar a organização industrial e, com ela, o aumento de produtividade e da capacidade de transformação da natureza. Esta filosofia deu lugar à racionalização e padronização da produção. O padrão, neste caso, orientava o trabalho fabril e era a indicação, racionalmente elaborada, da forma correta de se trabalhar. Assim, nasce a especialização (ou padronização de movimentos e saberes direcionados para um determinado fim, movimento ou ação produtiva), que nada mais era que a divisão do saber holístico, ou global (ou monista, como preferia Vygostky), em um saber dividido em partes, em departamentos. Pode-se perceber a relação direta desta proposição com a concepção curricular que divide os saberes humanos em partes, em matrizes. Mas hoje, no limiar do século XXI, quando vivemos a terceira onda, a era da informática, em que é a posse da informação que garante o poder, precisamos de um novo modelo de escola. E mais: alguns campos de saber são privilegiados em sua representação como disciplinas escolares e outros não. O desenvolvimento das ciências e os avanços da tecnologia, no século XX, constataram que o sujeito pesquisador interfere no objeto pesquisado, que não há neutralidade no conhecimento, que a consciência da realidade se constrói num processo de interpenetração dos diferentes campos do saber.Ao sistematizar o ensino do conhecimento, os currículos escolares ainda se estruturam fragmentadamente e muitas vezes seus conteúdos são de pouca relevância para os alunos, que não vêem neles um sentido. Interdisciplinaridade se realiza como uma forma de ver e sentir o mundo. De estar no mundo. Se formos capazes de perceber, de entender as múltiplas implicações que se realizam, ao analisar um acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, o fenômeno dimensão social, natural ou cultural... . Somos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua complexidade. Tendo situado a gênese da escola no tempo, podemos entender melhor as influências que marcaram sua origem e evolução, determinando suas características estruturais e funcionais. Seu currículo foi planejado para formar pessoas disciplinadas, submissas, obedientes, organizadas, metódicas, nada criativas ou questionadoras. Daí o uso do uniforme, da fila , do horário e da disciplina rígidos, do silêncio e da passividade em sala de aula, do trabalho individual e isolado. Estas influências se fazem sentir também na terminologia específica do vocabulário escolar, de seus instrumentos, usos e costumes, como: formatura, matéria, sirene, cópia de modelos, programas previamente determinados, aprendizagem delimitada, caderneta escolar (cartão de ponto), comportamento controlado, carteiras fixas - e até mesmo em sua arquitetura. Entre as razões que temos para buscar uma transformação curricular, passa também uma razão política muito forte: hoje vivemos numa democracia, e queremos formar pessoas criativas, questionadoras, críticas, comprometidas com as mudanças, e não com a reprodução de modelos. Surge, assim, uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos campos de conhecimento, superando-se o modelo fragmentado e compartimentado de estrutura curricular fundamentada no isolamento dos conteúdos. Ora, todos estes avanços exigem um repensar do currículo escolar, baseado na idéia de rede de relações , eliminando-se os ?redutos disciplinares?, em prol de uma proposta interdisciplinar. Um currículo escolar atualizado não pode ignorar o modo de funcionamento da mente humana, as necessidades da aprendizagem e as novas tecnologias informáticas, diretamente associadas à concepção de inteligência. É preciso hoje pensar o conhecimento (e o currículo) como uma ampla rede de significações e a escola como lugar nào apenas de transmissão do saber, mas também de sua construção coletiva. Temos de considerar ainda as razões psicopedagógicas que nos levam a propor um currículo interdisciplinar e que estão relacionadas com os conhecimentos já adquiridos sobre o funcionamento do cérebro humano e os processos de conhecimento e de aprendizagem. Os avanços significativos da Psicologia genética nos permitem hoje conceituar , com Piaget, inteligência como a capacidade de estabelecer relações; confrontar, com Vigotsky, o desenvolvimento de conceitos espontâneos e científicos; admitir, com Gardner, a idéia de inteligência múltipla, o que implica em uma série de competências a serem desenvolvidas pela escola: competência linguística, lógico-matemática, espacial, cinestésica, musical, pictórica, intrapessoal e interpessoal. No novo conceito de papel social da educação, a escola tem a função de construir, pela práxis, uma nova relação humana, revendo criticamente o acervo de conhecimentos acumulados e tomando consciência da participação pessoal na definição de papéis sociais. Para que este novo papel social da educação se cumpra, é preciso rever o funcionamento da escola, não só quanto a conteúdos, metodologias e atividades, mas também quanto à maneira de tratar o aluno e aos comportamentos que deve estimular, como: a auto-expressão (livre, crítica, criativa, consciente); a auto-valorização (reconhecimento da própria dignidade); a co-responsabilidade (iniciativa, participação, colaboração); a curiosidade e a autonomia na construção do conhecimento (estabelecendo rede de significação interdisciplinar), entre outros. Uma prática escolar interdisciplinar tem algumas características que podem ser apontadas como fundamentos ou pistas para uma transformação curricular e que exigem mudanças de atitude, procedimento, postura por parte dos educadores: · perceber-se interdisciplinar, sentir-se parte do universo e um universo à parte (Fazenda 1991)- (resgatar sua própria inteireza, sua unidade); · historicizar e contextualizar os conteúdos (resgatar a memória dos acontecimentos, interessando-se por suas origens, causas, conseqüências e significações; aprender a ler jornal e a discutir as notícias); · valorizar o trabalho em parceria, em equipe interdisciplinar, integrada (tanto o corpo docente como o corpo discente), estabelecendo pontos de contato entre as diversas disciplinas e atividades do currículo; · desenvolver atitude de busca, de pesquisa, de transformação, construção, investigação e descoberta; · definir uma base teórica única como eixo norteador de todo o trabalho escolar, seja ideológica (que tipo de homem queremos formar), psicopedagógica (que teoria de aprendizagem fundamenta o projeto escolar), ou relacional (como são as relações interpessoais, a questão do poder, da autonomia e da centralização decisória na escola); · dinamizar a coordenação de área (trabalho integrado com conteúdos afins, evitando repetições inúteis e cansativas), começando pelo confronto dos planos de curso das diversas disciplinas, analisando e refazendo os programas, em conjunto, atualizando-os, enriquecendo-os ou "enxugando-os", iniciando-se, assim, uma real revisão curricular; · resgatar o sentido do humano, o mais profundo e significativo eixo da interdisciplinaridade, perguntando-se a todo momento: - "o que há de profundamente humano neste novo conteúdo?" ou - "em que este conteúdo contribui para que os alunos se tornem mais humanos?" · trabalhar com a pedagogia de projetos, que elimina a artificialidade da escola, aproximando-a da vida real e estimula a iniciativa, a criatividade, a cooperação e a co-responsabilidade. Desenvolver projetos na escola é, seguramente, a melhor maneira de garantir a integração de conteúdos pretendida pelo currículo interdisciplinar. Um projeto surge de uma situação, de uma necessidade sentida pela própria turma e consta de um conjunto de tarefas planejadas e empreendidas espontaneamente pelo grupo, em torno de um objetivo comum. Considerações finais O ser humano vive a ambigüidade latente entre o ser/estar, entre ser e estar sendo. O conhecimento nasce dos movimentos contidos nas dúvidas, nos conflitos, nas perguntas/respostas, nas certezas/incertezas que são vivenciadas na solução e ou/propostas, alternativas em superar, assumir, atuar, agir nessa ambigüidade do ser.”“. Quando em uma sala de aula todos se encaixam num todo maior, ocorre o envolvimento expresso através do respeito e da responsabilidade. Este é o espírito de uma sala de aula interdisciplinar: “Todos se tornam parceiros. Parceiros de quê? Da produção de um conhecimento para uma escola melhor, produtora de pessoas mais felizes (...) a obrigação é alternada pela satisfação, a arrogância pela humildade, a solidão pela cooperação, a especialização pela generalidade, o grupo homogêneo pelo heterogêneo, a reprodução pelo questionamento (...) Em síntese, numa sala de aula interdisciplinar há ritual de encontro – no início, no meio e no fim” (Fazenda, 1991). “No projeto interdisciplinar não se ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se” (FAZENDA, 1991, p.17). Devemos enxergar a interdisciplinariedade enquanto atitude.